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20080716

Bom dia...



De palavra em palavra


a noite sobe


aos ramos mais altos



e canta


o êxtase do dia.



Eugénio de Andrade
Imagem (C)Dreamcatcher-Giclee-Print-C10224476

20080604

To a green god


Trazia consigo a graça

das fontes quando anoitece.

Era o corpo como um rio

em sereno desafio

com as margens quando desce.


Andava como quem passa

sem ter tempo de parar.

Ervas nasciam dos passos,

cresciam troncos dos braços

quando os erguia no ar.


Sorria como quem dança.

E desfolhava ao dançar

o corpo, que lhe tremia

num ritmo que ele sabia

que os deuses devem usar.


E seguia o seu caminho,

porque era um deus que passava.

Alheio a tudo o que via

enleado na melodia

de uma flauta que tocava.

Eugénio de Andrade
in As Mãos e os Frutos
Imagem(C) Kathleen Noffsinger

20080527

Canção


Se tu ouvisses

o loendro amargo chorar,

que farias, meu amor?

Suspirar!


Se tu sentisses a luz

chamar-te quando se vai,

que farias, meu amor?

Lembrar-me-ia do mar.


Se eu um dia te dissesse

- amo-te - no meu olival,

que farias, meu amor?

Cravaria este punhal!


Eugénio de Andrade,
in Poemas de Garcia Lorca
Imagem (C) Vladimir Kush

20080304

DESPERTAR



É um pássaro, é uma rosa,


é o mar que me acorda?


Pássaro ou rosa ou mar,


tudo é ardor, tudo é amor.


Acordar é ser rosa na rosa,


canto na ave, água no mar.




Eugénio de Andrade
in Coração do Dia
Imagem (C) Bruno Abreu

20080212

Para PEREGRINO ...


Tu perguntas e eu não sei.

eu também não sei o que é o mar.


É talvez uma lágrima caída dos meus olhos

ao reler uma carta, quando é de noite.

Os teus dentes, talvez os teus dentes,

miúdos, brancos dentes, sejam o mar,

um mar pequeno e meu,

afável, diáfano,

e contudo só música distante.


É evidente que minha mãe me chama

quando uma onda e outra onda e outra

desfaz o seu corpo azul contra o meu corpo.

Então o mar é carícia,

asa pura,

luz molhada onde desperta

meu coração recente.


Às vezes o mar é uma figura branca

cintilante entre os rochedos.

Não sei se fita a água

ou se procura

um beijo entre conchas transparentes.


Eugénio de Andrade,
Antologia Breve
Imagem retirada de Google Images

20080124

Havia

Havia
uma palavra
no escuro.
Minúscula.Ignorada.

Martelava no escuro.
Martelava
no chão da água.

Do fundo do tempo,
martelava.
Contra o muro.

Uma palavra.
No escuro.
que me chamava.




Eugénio de Andrade,
Matéria Solar
Imagem(C) Evelina Oliveira

20080120

Retrato


No teu rosto começa a madrugada.

Luz abrindo,

de rosa em rosa,

transparente e molhada.


Melodia

distante mas segura;

irrompendo da terra,

quente, redonda, madura.


Mar imenso,

praia deserta, horizontal e calma.

Sabor agreste.

Rosto da minha alma.


Eugénio de Andrade,
Os Amantes sem Dinheiro
Imagem (C) Vladimir Kush

20070922

Esta nova manhã...


O sol
a poeira
lentissima do sul.
a pedra do ar
clara e mordida,
a branca e nua
e tão antiga
poeira do sol,
vem pousar-me
nos olhos.
Ainda.



Eugénio de Andrade
in Poesia Terra de Minha Mãe

Foto Pedra_da_Cabeleira (C) Mediablog. wewebiit .biz Foz COA

20070712

Coração Habitado


Aqui estão as mãos.

São os mais belos sinais da terra.

Os anjos nascem aqui:

frescos, matinais, quase de orvalho,

de coração alegre e povoado.


Ponho nelas a minha boca,

respiro o sangue, o seu rumor branco,

aqueço-as por dentro, abandonadas

nas minhas, as pequenas mãos do mundo.


Alguns pensam que são as mãos de deus,

- eu sei que são as mãos de um homem,

trémulas barcaças onde a água,

a tristeza e as quatro estações

penetram, indiferentemente.


Não lhes toquem: são amor e bondade.

Mais ainda: cheiram a madressilva.

São o primeiro homem, a primeira mulher.

E amanhece.


Eugénio de Andrade, Coração do Dia
Imagem(C) Daniel Buetti 2002

20070711

Que,,,


Que voz lunar insinua

o que não pode ter voz?


Que rosto entorna na noite

todo o azul da manhã?


Que beijo de oiro procura

uns lábios de brisa e água?


Que branca mão devagar

quebra os ramos do silêncio?


Eugénio de Andrade, Antologia Breve
Imagem (C) Alfred Gockel

20070617

retrato


No teu rosto começa a madrugada.
Luz abrindo,
de rosa em rosa,
transparente e molhada.

Melodia
distante mas segura;
irrompendo da terra,
quente, redonda, madura.

Mar imenso,
praia deserta, horizontal e calma.
Sabor agreste.
Rosto da minha alma.

Eugénio de Andrade, Os Amantes sem Dinheiro