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[...]Mal entraram no túnel das árvores que enchem as duas margens, apareceu um vento áspero, a sacudir tudo; até assobiava nos troncos e nos ramos.E corria tanto, e asssobiava, tanto, espantado, quem o espantara?, que as folhas começaram a cair aos cachos, fugindo algumas, juntando-se depois, num torvelinho, indo e regeressando num corropio, que Olinda Carramilo parou de remar e ficou queda no banco, meia tonta, como o Tóino, que já bebera mais de meio garrafão de vinho e ainda não parara de cantar.
E num repente, quando o vento garanhão fugiu para a Lezíria à procura das éguas, as folhas que revoluteavam como pintassilgos tontos caíram de chapuz sobre a vala da Casa Branca e deixaram tudo alagado das cores do Outono, um nadinha triste, mas tão sorrateiro, que o Tóino da Vala não se moveu no fundo do barco. Amarelas, doiradas, vermelhas, quase de fogo, ardidas e ainda ardentes, verdes, cúpricas, verde-cré, verde-montanha,verde-gaio, verdenegro, ocres, castanho-queimado, e vermelhas, acesas, fogaréus a arder, sobre o corpo do pescador vagabundo e vestiram-no a esmo de todas as cores que havia nesse mês.
Deslumbrada, Olinda Carramilo ergueu os olhos para aquela chuva fantástica que também lhe escorria pelos ombros e engrinaldava a cabeça.
Depois tudo se quedou num grande silêncio, como se as árvores ficassem a ver o que delas fugira com o vento.
- Não te mexas, Tóino! - pediu a rapariga.
[...]
Alves Redol
in Avieiros
Imagem (C) Projecto Palhota Viva