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20080314

acordar...


Feliz de quem passou, por entre a mágoa

E as paixões da existência tumultuosa,

Inconsciente, como passa a rosa.

E leve como a sombra sobre a água.


Era-te a vida um sonho, indefinido

E ténue, mas suave e transparente...

Acordaste...sorriste...e vagamente

Continuaste o sonho interropido.


Antero de Quental,

Zara

20071030

Visita


Adornou o meu quarto a flor do cardo,

Perfumei-o de almíscar recendente;

Vesti-me com a púrpura fulgente,

Ensaiando meus cantos, como um bardo;


Ungi as mãos e a face com o nardo

Crescido nos jardins do Oriente,

A receber com pompa, dignamente,

Misteriosa visita a quem aguardo.


Mas que filha de reis, que anjo ou que fada

Era essa que assim a mim descia,

Do meu casebre à húmida pousada?...


Nem princesas, nem fadas. Era, flor,

Era a tua lembrança que batia

Às portas de ouro e luz do meu amor!


Antero de Quental

in Sonetos Completos
Imagem (C) Jean Bielsa

20070917

Visita


Adornou o meu quarto a flor do cardo,

Perfumei-o de almíscar recendente;

Vesti-me com a púrpura fulgente,

Ensaiando meus cantos, como um bardo;


Ungi as mãos e a face com o nardo

Crescido nos jardins do Oriente,

A receber com pompa, dignamente,

Misteriosa visita a quem aguardo.


Mas que filha de reis, que anjo ou que fada

Era essa que assim a mim descia,

Do meu casebre à húmida pousada?...


Nem princesas, nem fadas. Era, flor,

Era a tua lembrança que batia

As portas de ouro e luz do meu amor!


Antero de Quental, Visita
in Sonetos Completos

20070914

Os dias que correm...


Conheci a Beleza que não morre

E fiquei triste. Como quem da serra

Mais alta que haja, olhando aos pés a terra

E o mar, vê tudo, a maior nau ou torre,



Minguar, fundir-se, sob a luz que jorre:

Assim vi eu o Mundo e o que ele encerra

Perder a cor,bem como nuvem que erra

Ao pôr do Sol e sobre o mar discorre.


Pedindo à forma, em vão, a ideia pura,

Tropeço,em sombras, na matéria dura,

E encontro a imperfeição de quanto existe.


Recebi o baptismo dos poetas,

E, assentado entre as formas incompletas,

Para sempre fiquei pálido e triste.


Antero de Quental,

Tormento do Ideal

Imagem © João Salsa 2006

20070912

Evolução


Fui rocha, em tempo, e fui, no mundo antigo,

Tronco ou ramo na incógnita floresta...

Onda , espumei, quebrando-me na aresta

De granito, antiquíssimo inimigo...


Rugi, fera talvez,buscando abrigo

Na caverna que ensombra urze e giesta;

Ou, monstro primitivo, ergui a testa

No limoso paul, glauco pacigo...


Hoje sou homem - e na sombra enorme

Vejo, a meus pés, a escada multiforme,

Que desce, em espirais, na imensidade...


Interrogo o infinito e às vezes choro...

Mas, estendendo as mãos no vácuo, adoro

E aspiro ùnicamente à liberdade.


Antero de Quental
Imagem (C) Magritte

20070728

Nihil


Homem! Homem! mendigo do Infinito!

Abres a boca e estendes os teus braços

A ver se os astros caem dos espaços

A encher o vácuo imenso do finito!


[...]

Antero de Quental

20070623

O Palácio da Ventura



Sonho que sou um cavaleiro andante.


Por desertos, por sóis, por noite escura,


Paladino do amor, busco anelante


O palácio encantado da Ventura!






Mas já desmaio, exausto e vacilante,


Quebrada a espada já, rota a armadura...


E eis que súbito o avisto, fulgurante


Na sua pompa e aérea formosura!




Com grandes golpes bato à porta e brado:


Eu sou o Vagabundo, o Deserdado...


Abri-vos, portas d'ouro, ante meus ais!




Abrem-se as portas d'ouro, com fragor...


Mas dentro encontro só, cheio de dor,


Silêncio e escuridão - e nada mais!




Antero de Quental