20070410

Sem título


Sou um velho dragão. Pesam-me os anos lendários que me imagimaram até hoje. Receio sair da minha gruta verde musgosa porqu o sol me cega e já não posso responder-lher com o brilho quente do meu fogo...
Olho com tristeza à minha volta. Já não vejo os palácios brilhantes de altas torres. Nem as florestas cerradas e espinhosas que costumavam erguer à minha volta. É triste ser-se dragão de coisa nenhuma...
Dantes imaginava como seria a vida de dragão sonhado de mil e uma maneiras pelas louras princesas e bravos guerreiros de braços férreos. Gostava que me desafiassem. Gostava de ver a intrepidez, o perigo de me defrontarem, espelhados na fronte daqueles para quem a luta tinha a pureza de um ideal maior...
O meu fogo tornava-os mais seguros e fortes...Só por ele me podiam vencer...ou morrer. Mas, essa morte, era por eles esperad e desejada como o prémio final de toda a sua coragem. O sonho era vencerem-me. Levar o meu coração aos pés de princesas de louras tranças e deixar que a floresta cobrisse o resto do meu corpo em espinhos do esquecimento.
Agora, ninguém chega pelo caminho verde brilhante ou branco só. Espero, espero... e os meus olhos alongam-se pela floresta da longa estrada de pinheiros tão altos como a torre do castelo que fica além das nuvens.
Passam as noites negras e brilhantes que gotejam résteas de luz nas minhas escamas doridas do tempo e sinto o cheiro acre do enxofre desvanecer-se nas memórias desta caverna...
Sou um velho dragão. Repito-o a mim próprio como um encantamento maléfico que espero quebrar ao som da minha própria voz. Não acontece nada! Os mágicos não sabem o que é ser um velho dragão...
Tentei fazer amigos. Mas um dragão assusta.
A andorinha, negra como eu, não sabe dizer D-R-A-G-Ã-O... As violetas do céu da minha gruta tremem de medo quando, erguendo a cabeça, me aproximo delas para lhes perceber o azul... Até a aranha de cruz, que tece sobre mim pérolas de ar e cor, foge espavorida ao pequeno sopro do meu hálito morno...
Resta-me o fim de lenda, envolto em mistério.
Sei que ele virá pela estrada de pinheiros altos como o castelo das nuvens. Num dia bem igaul aos do passado, em que era dragão de princesas, cavleiros e palácios.
Aquela espada brilhante ser-me-à destinada. E, quando me cravar o coração, dele hão-de brotar sóis radiantes ou lágrimas de prata, como no mais antigo dos contos das Fadas...

1 comentário:

Anónimo disse...

Segundo a teoria da recepção,este texto pode ter várias leituras. Tanto como a intenção de quem o escreveu, é decisiva a disposição de quem o lê.

Para um benfiquista, por exemplo: este texto soará a dobre de finados pelo dragão do norte, esse nefando FCP.
Para os olhos maravilhados do miúdo na puberdade que descobre as delícias da leitura de contos mágicos, este será a revelação de que, afinal, os dragões/monstros tambèm tem alma e consciência da decadência.

Mas para mim, Avelã, este texto expressa uma funda trizteza e desconforto interior.
Sim, eu sei: a Primavera tarda aí. Mas virá! Acredita: virá !!!