UM HOMEM NA CIDADE
Agarro a madrugada
como se fosse uma criança
uma roseira entrelaçada
uma videira de esperança
tal qual o corpo da cidade
que manhã cedo ensaia a dança
de quem por força de vontade
de trabalhar nunca se cansa
Vou pela rua
desta lua
que no meu Tejo acende o cio
vou por Lisboa maré nua
que deságua no Rossio.
Eu sou um homem na cidade
que manhã cedo acorda e canta
e por amar a liberdade
com a cidade se levanta
Vou pela estrada
deslumbrada
da lua cheia de Lisboa
até que a lua apaixonada
creça na vela da canoa
Sou a gaivota
que derrota
todo o mau tempo no mar alto
eu sou o homem que transporta
a maré povo em sobressalto
E quando agarro a madrugada
colho a manhã como uma flor
à beira mágoa desfolhada
um malmequer azul na cor.
O malmequer da liberdade
que bem me quer como ninguém
o malmequer desta cidade
que me quer bem que me quer bem!
Nas minhas mãos a madrugada
abriu a flor de Abril também
a flor sem medo perfumada
com o aroma que o mar tem
flor de Lisboa bem amada
que mal me quis que me quer bem!
Ary dos Santos
2 comentários:
É de justiça que a poesia de Ary dos Santos seja recordada! Pela sua força, a sua garra, a veemência do seu dizer.
Li e reli. Em certa altura até me parecia ouvir a voz do poeta, pedrada atirada ao charco deste país rocócó...
Infelizmente este país vai gastando as palavras com outras coisas de menor importância...
Um dia destes acordamos...e as palavras foram todas amordaçadas!!!
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