20070414

PALAVRAS DE ABRIL II


CANTO FRANCISCANO





Por onde passaste tu


que não soubeste passar?


Pela sandália do tempo


pelo cílio do luar


pelo cílio do vento


pelo tímpano do mar?

Por onde passaste tu


que não soubeste passar?





Por onde passaste tu


que me ficaste cá dentro


tenaz do fogo divino


irmão pinho ou aloendro?


Por onde passaste tu


que me ficaste cá dentro?





Pois bem: nos campos da fome


ou nos caminhos do frio


se eu encontrasse o teu nome


lançava-te o desafio:


por onde passaste tu


pétala viva dos cerdos


rei das chagas e dos podres


- por onde passaste tu


não passaram as minhas dores!





Nasci da mãe que não tive


do pai que nunca terei


e aquilo que sobrevive


é o irmão que não sei:


uma espécie de fogueira


de corpo que me deslumbra.


Tudo o mais à minha beira


é uma réstia de sombra.


- Por onde passaste tu


com artelhos de penumbra?





Eis-me. Eis-me incendiado


por não saber perdoar.


Meu irmão passa de lado


- Eu sei como hei-de passar.





Ary dos Santos
Imagem(C) Antonio Saura

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