20070415

PALAVRAS DE ABRIL IV


O HOMEM DAS CASTANHAS


Na Praça da Figueira,

ou no jardim da Estrela,

num fogareiro aceso é que ele arde.

Ao canto do Outono, à esquina do Inverno,

o homem das castanhas é eterno.

Não tem eira nem beira, nem guarida,

e apregoa como um desafio.


É um cartucho pardo a sua vida,

e, se não mata a fome, mata o frio.

Um carro que se empurra,

um chapéu esburacado,

no peito uma castanha que não arde.

Tem a chuva nos olhos e tem o ar cansado

o homem que apregoa ao fim da tarde.

Ao pé dum candeeiro acaba o dia,

voz rouca com o travo da pobreza.

Apregoa pedaços de alegria,

e à noite vai dormir com a tristeza.


Quem quer quentes e boas, quentinhas?

A estalarem cinzentas, na brasa.

Quem quer quentes e boas, quentinhas?

Quem compra leva mais calor p'ra casa.


A mágoa que transporta a miséria ambulante,

passeia na cidade o dia inteiro.

É como se empurrasse o Outono diante;

é como se empurrasse o nevoeiro.

Quem sabe a desventura do seu fado?

Quem olha para o homem das castanhas?

Nunca ninguém pensou que ali ao lado

ardem no fogareiro dores tamanhas.


Quem quer quentes e boas, quentinhas?

A estalarem cinzentas, na brasa.

Quem quer quentes e boas, quentinhas?

Quem compra leva mais amor p'ra casa.


Ary dos Santos


2 comentários:

Blondie disse...

"Quem compra leva mais amor p'ra casa"... sem dúvida!
Eu adoro comer castanhinhas no Inverno/Outono em plena rua.
Sabe tão bem! É um sentimento tão reconfortante!! Aquece-nos a alma!

avelaneiraflorida disse...

Esperemos que elas não se tornem...transgénicas!!!!!!!