Terrível palavra é um Non. Não tem direito nem avesso: por qualquer lado que o tomeis, sempre soa e diz o mesmo. Lede-o do princípio para o fim, ou do fim para o princípio, sempre é Non. Quando a vara de Moisés se converteu naquela serpente tão feroz, que fugia dela porque o não mordesse; disse-lhe Deus que a tomasse ao revés, e logo perdeu a figura, a ferocidade e a peçonha. O Non não é assim: por qualquer parte que o tomeis sempre é serpente, sempre morde, sempre fere, sempre leva o veneno consigo. Mata a esperança, que é o último remédio que deixou a natureza a todos os males. Não há correctivo que o modere, nem arte que o abrande, nem lisonja que o adoce. Por mais que confeiteis um não sempre amarga; por mais que enfeiteis sempre é feio; por mais que o doureis sempre é de ferro.
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Porque dizer um não a quem pede, é dar-lhe uma bofetada com a língua. Tão dura, tão áspera, tão injuriosa palavra é um não. Para a necessidade dura, para a honra afrontosa, e para o merecimento insofrível.E se um Não é tão duro para quem o ouve, creio eu que não é menor a sua dureza para quem o diz; e tanto mais quanto mais generoso for o coração, e mais soberano o ânimo que o houver de pronunciar
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Padre António Vieira
Sermão da Terceira Quarta-Feira da Quaresma,
1670
Fotografia(C) Gregory Colbert
10 comentários:
Um bem apropositado propósito!...
abraços!
Tinta permanente,
António Vieira foi, tão só, o "Imperador da Língua Portuguesa"!
Volta sempre!!
E quantas vezes, àquelas coisas a que realmente devíamos dizer não, alto e bom som, não ligamos... deixamos passar...
Abreijo.
Amigo Samuel,
Ainda acredito que saibamos dizer NÂO!!!!
Nem que seja a última palavra...
BJKAS!!
Olá amiga!
Gostei de ler o Padre António Vieira.
Quanto ao dizer "não", penso que por vezes, dizê-lo nem que seja em pensamento, é a única forma de nos mantermos de pé.
Beijinhos
Querida Carminda,
As palavras de Vieira têm sempre um contorno barroco que não me canso de admirar!!!
Bjkas!!!
Amiga avelaneiraflorida,
A palavra NAO é muito dura, por vezes deixa-nos sem chão!
Gostei do poema, fez-me reflectir.
:-) Beijinhos
Querida Fátima,
de cada vez que leio este excerto recordo a belíssima imagem do filme "NON, ou a Vã Glõria de mandar" de Manuel de Oliveira...
aquele plano inicial em torno da copa da árvore ainda me arrepia!!!!
Bjkas!!!!
Este sermão é lindíssimo mas o não por vezes é enganador, ou não?
Um beijinho
José Gonçalves
Assim, neste excerto, ele tem um peso que no conjunto do Sermão ganha novos contornos!!!!
vale a pena ler António Vieira!!!!
Pode parecer estranho, desactualizado, barroco, mas...
Bjkas, amigo!!!
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